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Governo decide prorrogar cobrança do encargo RGR na conta de luz até 2035

Medida foi considerada um desrespeito aos princípios democráticos

 Conforme temor antecipado pelo Instituto Acende Brasil desde agosto de 2010, o Governo Federal decidiu, ao apagar das luzes de 2010, prorrogar a cobrança do encargo RGR (Reserva Global de Reversão) na conta de luz até 2035. A prorrogação da cobrança do encargo por 25 anos aconteceu da pior forma imaginável:

– por meio de um artigo de duas linhas que foi inserido numa Medida Provisória multitemática (MP 517/2010) publicada nas últimas horas do dia 31 de dezembro de 2010, data em que deveria ter sido encerrada a cobrança do encargo, conforme previa a lei 10.438 de 2002;
– sem nenhuma discussão prévia com a sociedade e seus representantes (o Congresso Nacional, por exemplo);
– com justificativas falaciosas sobre a necessidade da prorrogação deste encargo que se tornou um verdadeiro imposto.

A prorrogação de RGR foi um desrespeito sem tamanho aos princípios democráticos. Esta canetada, caso aprovada pelo Congresso Nacional, custará R$ 40 bilhões ao consumidor de eletricidade se forem considerados os valores atuais de arrecadação.

A impressão que fica é que ainda há governantes que acham que a sociedade brasileira não dispõe de mecanismos e instituições de fiscalização e cobrança. A impressão que fica é que ainda há pessoas que pensam que podem agir na surdina e contar com a ausência de observadores atentos que não teriam tempo (ou não perceberiam) a inserção de um artigo com tamanho impacto no meio de uma Medida Provisória com 21 artigos que tratam dos mais variados assuntos.

Conforme o próprio texto da MP 517, a medida "institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares – RENUCLEAR, dispõe sobre medidas tributárias relacionadas ao Plano Nacional de Banda Larga, altera a legislação relativa à isenção do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM, dispõe sobre a extinção do Fundo Nacional de Desenvolvimento, e dá outras providências&quoquot;. A prorrogação da cobrança da RGR foi uma dessas "outras providências".

A RGR foi criada em 1957 para cobrir indenizações a empresas – estatais ou privadas – em caso de reversões à União de concessões de energia elétrica. Mas nunca foi usada para tais fins. Os recursos bilionários coletados foram sendo "redirecionados" ao longo dos anos para iniciativas como o subsídio para o consumidor de baixa renda, fontes renováveis e o programa de universalização (Luz para Todos).

Também como este Instituto havia antecipado, o Governo Federal tentou justificar a prorrogação com base na necessidade dos recursos da RGR para cumprir as metas do programa Luz para Todos e para "recuperação da rede elétrica". Com todo o devido respeito, são justificativas falaciosas pelas seguintes razões:

1) O programa Luz para Todos, segundo o próprio Governo Federal, terá sua meta integral cumprida em dezembro de 2011. Para quais propósitos serviria a prorrogação do encargo até 2035?

2) Estão disponíveis no chamado Fundo RGR – fundo acumulado ao longo de décadas com a cobrança da RGR mas que não será extinto com o fim da cobrança da RGR na conta de luz – nada menos do que R$ 16,9 bilhões, conforme resposta da Eletrobrás, gestora dos recursos da RGR, ao Requerimento de Informação 585/2010 do Senado Federal. O total está dividido em "R$ 8,8 bilhões em aplicações no fundo extra mercado e R$ 8 bilhões em recebíveis de financiamentos efetuados a concessionárias" de energia elétrica. O saldo deste Fundo vem crescendo anualmente porque a necessidade de aplicações de recursos é muito inferior ao montante arrecadado anualmente. Portanto, não há necessidade de manter a arrecadação das quotas de RGR. Informações detalhadas sobre o Fundo da RGR podem ser obtidas no Quadro 4 (página 34) do White Paper nº 2 "Tributos e Encargos na Conta de Luz: pela Transparência e Eficiência", disponível emwww.acendebrasil.com.br , seção "Estudos".

3) Já há outros encargos na conta de luz com os mesmos propósitos atuais da RGR, como o Proinfa, que dá subsídio ao Programa de Incentivo a Fontes Alternativas e a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que inclui previsão para recursos que podem ser aplicados em desenvolvimento de fontes alternativas, subsídio a consumidores de baixa renda e universalização de eletricidade, esforço que foi batizado de "Programa Luz para Todos" por este Governo mas que existe há décadas.

4) Além da sobreposição de propósito com outros encargos, há a séria ameaça de desvios absurdos da finalidade da RGR. No primeiro semestre o Governo Federal cogitou publicar Medida Provisória para aplicar os recursos da RGR numa operação de "salvamento" da Celg, estatal goiana que nas últimas décadas foi vítima de uso político, gestão temerária e que hoje enfrenta situação financeira precária.

A RGR representou cerca de 1,5% da conta de luz e arrecadou R$ 1,6 bilhão em 2009. A maneira sorrateira com que a prorrogação foi implementada é um alerta a toda a sociedade. Um encargo que perdeu sua razão de existir precisa ser extinto para evitar a perpetuação de ineficiências e privilégios.

Vários representantes do Congresso Nacional tem se apresentado como "defensores do povo e do consumidor" em temas do setor elétrico. Se tais "defensores do povo" realmente estiverem pensando no interesse do povo devem ter como prioridade a redução da carga tributária sobre a conta de luz.

Esta é a hora de nossos representantes provarem que realmente têm o interesse do povo como prioridade votando pela rejeição do obscuro artigo 16 da Medida Provisória 517/2010, publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 2010, artigo que impôs ao consumidor de energia um custo desnecessário que somará R$ 40 bilhões nos próximos 25 anos.

Além disso, vale lembrar que a medida provisória foi assinada no último dia do mandato presidencial que se encerrou. Portanto, a nova presidente do Brasil ainda tem a oportunidade de evitar que o consumidor de eletricidade arque com uma verdadeira herança maldita que continuará a ser paga por nossos filhos e netos.
A nova presidente do Brasil, durante sua campanha eleitoral, assumiu o compromisso de diminuir a carga tributária sobre a energia. Em entrevista, a então candidata afirmou que "nosso sistema tributário é confuso e precisamos de um sistema mais simples e mais transparente. É uma prioridade".

Nossa governante precisa dar provas de que alinhará suas ações a seu discurso. Nas articulações políticas que acontecerão nos próximos 60 dias de tramitação da Medida Provisória, deverá apoiar o Congresso Nacional a alterar o texto original da matéria e promover a rejeição desta vergonhosa prorrogação da Reserva Global de Reversão. Se a prorrogação da RGR for rejeitada pelo Congresso Nacional, os poderes Executivo e Legislativo darão provas de que as práticas da ineficiência e do obscurantismo não tem mais espaço num país que se diz democrático.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)