Essa negociação setorial e empresarial pode ser feita dentro dos parâmetros da autonomia privada, onde as partes envolvidas definem as regras de acordo com a realidade de cada categoria
A discussão sobre a mudança na jornada de trabalho no Brasil ganhou protagonismo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada Érika Hilton (PSOL-SP), que sugere a redução da carga horária laboral no país. No entanto, um ponto crucial ainda não foi devidamente considerado nesse debate: a realidade das pequenas e médias empresas (PMEs), que representam a maior parte do setor produtivo brasileiro. Se, por um lado, essas empresas são responsáveis pela criação de grande parte dos postos de trabalho, por outro, a diminuição da jornada sem a devida compensação poderia colocar em risco a viabilidade de muitos desses negócios.
Segundo dados do Sebrae, até setembro de 2024, as PMEs brasileiras geraram cerca de 1,23 milhão de vagas formais de emprego. Esse número já supera a totalidade de empregos criados por essas empresas em 2023, que totalizou 1,1 milhão de postos de trabalho – representando 80% dos novos empregos com carteira assinada no Brasil. Esse dado demonstra a importância das PMEs na economia do país, mas também revela o grande desafio que essas empresas enfrentam em termos de custos e sustentabilidade.
De acordo com dado da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), a redução da jornada de trabalho sem um ajuste na remuneração pode ser insustentável para a maioria dessas empresas. Isso ocorre porque a maior parte das PMEs não tem a capacidade financeira para arcar com os custos de uma redução na carga horária sem afetar seus salários, o que pode levar a uma drástica diminuição de postos de trabalho. Em um cenário como esse, a tendência seria a substituição de trabalhadores por outros com salários menores, o que resultaria na diminuição da massa de renda em circulação e geraria um aumento na busca por fontes de renda alternativas, como empregos informais ou bicos.
Portanto, em vez de proporcionar mais tempo livre e qualidade de vida para os trabalhadores, uma redução da jornada sem a contrapartida salarial poderia, paradoxalmente, fazer com que os trabalhadores precisassem buscar uma segunda fonte de renda. Dessa forma, a medida proposta, que tem como objetivo diminuir o tempo de trabalho, poderia, na prática, aumentar a carga horária total dos trabalhadores e comprometer seu bem-estar.
Outro fator relevante que deve ser considerado é o impacto potencial de uma mudança na jornada de trabalho sobre a produtividade. O Brasil ocupa atualmente a 62ª posição no ranking de produtividade do Institute for Management Development (IMD), atrás de países como Botsuana e Chile. Uma redução na jornada de trabalho, sem o devido aumento na eficiência, provavelmente exacerbaria esse quadro, tornando o ambiente de negócios brasileiro ainda mais desafiador e menos atraente para investidores.
Em termos macroeconômicos, isso poderia resultar em uma desaceleração do crescimento econômico, dificultando ainda mais a geração de empregos e o fortalecimento de setores-chave da economia brasileira. Portanto, a discussão sobre a redução da jornada de trabalho precisa ser tratada com cautela, levando em consideração não apenas o interesse dos trabalhadores, mas também as condições do mercado de trabalho e a sustentabilidade das empresas, especialmente as de menor porte.
Além disso, o governo tem que fazer a sua parte, considerando a redução dos tributos nas contratações, o que poderia ajudar as PMEs a lidarem com os custos adicionais que uma mudança na jornada de trabalho traria. Sem essa contrapartida fiscal, as empresas poderiam ser ainda mais impactadas pela medida, comprometendo a geração de novos postos de trabalho.
A Negociação Coletiva como alternativa
Uma sugestão a ser trabalhada seria, em vez de uma mudança constitucional, a negociação coletiva entre empresas e trabalhadores ser o mecanismo utilizado para definir as jornadas de trabalho. A Reforma Trabalhista de 2017 já deu aos trabalhadores e empregadores a liberdade para negociar, de forma coletiva, as condições de trabalho, incluindo a carga horária. Essa flexibilidade permite que as empresas ajustem suas jornadas de trabalho conforme suas necessidades, sem comprometer a sustentabilidade dos negócios.
Além disso, muitas empresas já adotam a prática de jornadas menores como estratégia para atrair ou reter talentos, levando em conta as especificidades de seus processos produtivos. Essa negociação setorial e empresarial pode ser feita dentro dos parâmetros da autonomia privada, onde as partes envolvidas definem as regras de acordo com a realidade de cada categoria.
Portanto, em vez de uma imposição legislativa, acredito que o debate sobre a redução da jornada de trabalho deve ser conduzido de maneira mais flexível, com base na negociação coletiva, onde as condições podem ser adaptadas à realidade de cada setor ou empresa, sem que haja uma imposição constitucional que possa gerar efeitos negativos para a economia.
A proposta de redução da jornada de trabalho no Brasil precisa ser analisada com mais profundidade, especialmente no que diz respeito aos impactos econômicos e à realidade das pequenas e médias empresas. A viabilidade dessa medida depende de um equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores e a capacidade das empresas de absorver mudanças dessa magnitude sem comprometer sua sustentabilidade. A negociação coletiva, que já é uma ferramenta eficaz no país, se apresenta como a melhor alternativa para ajustar as jornadas de trabalho às necessidades de cada setor, garantindo tanto a competitividade das empresas quanto o bem-estar dos trabalhadores.
Sanae Murayama Saito – presidente do SindiVarejista de Campinas e Região